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  • Cancioneiro da Paraíba

    O  Cancioneiro da Paraíba,  organizado por Idelette Fonseca dos Santos e Maria de Fátima Barbosa de Mesquita Batista, foi publicado em João Pessoa, pela GRAFSET, em 1993. A obra, com capa de Milton Nóbrega e ilustrações de Domingos Sávio, é resultado de uma pesquisa realizada pelos alunos da Pós-Graduação em Letras da UFPB e que teve como meta “ser um registro da memória popular, um momento na trajetória de tradição e de criação da poesia e da canção.” Após as explanações iniciais das editoras, segue-se uma coletânea de canções, divididas em oito categorias: Cantigas de ninar, Cantigas de brincar, Cantigas de folguedo, Parlendas, Cantigas religiosas, Orações e crenças, Aboios e toadas de vaquejada e Cantos políticos e de costume. As melodias e parlendas foram coletadas em diferentes comunidades do estado (Araruna, Cacimba de Dentro, Bananeiras, Pedras de Fogo, Queimadas, Serra Branca, Areia, Catolé do Rocha, Campina Grande e João Pessoa), iniciativa que contou com a colaboração de pessoas de múltiplas faixas etárias. Cada texto vem acompanhado por várias informações, incluindo o título e os dados relativos ao informante, assim como o processo de gravação. As transcrições musicais, feitas por Maria Alix Nóbrega Ferreira de Melo, são acompanhadas por breves comentários de Luiz Oliveira Maia. Esgotada, a obra só é encontrada em lojas de livros usados ou em formato digital, na internet ( PDF ). Este trabalho oferece à comunidade, de modo geral, e aos educadores e artistas, mais especificamente, um vasto material para uso em sala de aula e também nos processos criativos. As peças da coletânea podem ser usadas na composição de obras originais e arranjos para diferentes formações instrumentais, vocais e mistas, integrando, portanto, o repertório de coros, bandas, orquestras e outros conjuntos de câmara. Similarmente, elas podem ser inseridas na trilha sonora de espetáculos teatrais e audiovisuais. Na Universidade Federal de Campina Grande, por exemplo, um dos alunos da Licenciatura em Música compôs uma série de arranjos para consorte de flautas doces, contrabaixo e percussão, com graus distintos de dificuldade, material adequado às finalidades didático-pedagógicas e também performáticas. Há alguns anos, conheci a professora Maria de Fátima no PPGL-UFPB, na avaliação de uma tese de doutorado que tratava dos aspectos semióticos do referido  Cancioneiro  em processos de criação coletiva ( vídeo ). Depois, foi a vez de encontrar a emérita Idelette Muzart, na École doctorale 138 (Letter, langue, spectale) da Université Paris-Nanterre, na apresentação de uma pesquisa sobre Capiba e o Movimento Armorial. Nas duas oportunidades, percebi o quanto as docentes são apaixonadas pela cultura brasileira e quão relevantes são as suas contribuições no campo dos estudos sobre oralidade, literatura e música, fato que merece amplo reconhecimento, porque, como diz o ditado, “na boca de quem não presta, quem é bom não tem valia!” Vladimir Silva

  • Deus já fez o céu bem alto, foi para viver sossegado!

    Eventualmente, regentes corais passam por momentos sensíveis, especialmente quando o assunto é música sacra-sagrada. Vários são os casos. Alguns(mas) coralistas, com certas restrições a esse tipo de repertório, evitam interpretá-lo. Há os(as) que não o fazem por conta da orientação doutrinária e dos vínculos religiosos. Outros(as) não creem em nada. Há ainda quem cante parcialmente, dublando ou omitindo passagens do texto, palavras e expressões que não estão em consonância com os princípios que professam. O problema se agrava quando certos(as) integrantes, muitas vezes essenciais dentro de um grupo, decidem não participar de uma apresentação pública, porque a mesma será realizada num templo. Para eles(elas) não importa a denominação e se o concerto é ou não parte de um serviço litúrgico. Simplesmente, não se envolvem. É preciso cuidado no trato da questão, pois a liberdade religiosa, um direito constitucional, é uma opção pessoal e está diretamente vinculada à história de vida de cada indivíduo. No entanto, cantores(as), por mais fervorosos(as) que sejam nas suas convicções espirituais, não podem ignorar a literatura coral produzida por diferentes povos, especialmente quando os(as) mesmos(as) atuam em contextos laicos. Sabe-se, por exemplo, que, há alguns anos, um coro profissional brasileiro, mantido com os cofres públicos, só cantou uma obra com temática do candomblé por força de mandato judicial. A exclusão do repertório ligado à cultura afro-brasileira dos acervos dos nossos coros e das salas de concerto é consequência de vários fatores, dentre os quais o racismo estrutural, a estigmatização e o preconceito. A análise superficial do tema, que é amplo e complexo, revela o desconhecimento e a rejeição da diversidade cultural do país, o nosso nível de (in)tolerância e a correlação existente entre o microuniverso da prática coral e a macroestrutura social na qual estamos inseridos. Num contexto acadêmico, profissional, secularizado, de modo geral, acredito que não há espaço para o proselitismo religioso ou certos melindres teológicos, passionais, com os quais frequentemente temos que lidar. Como regentes, precisamos gerenciar tais conflitos, sem, contudo, privilegiar um ou outro grupo de pessoas em detrimento desta ou daquela verdade. Para além da fé, devemos cantar com técnica, no tempo, afinado, expressivamente. Precisamos revelar os múltiplos sentidos do texto, seja ele sobre dor ou júbilo, céu ou inferno, ressurreição ou reencarnação, a criação ou o fim da humanidade. Nossa voz precisa ecoar no teatro, no templo, no centro espírita, no terreiro, na sinagoga e na catedral gótica. É por isso que somos educadores, músicos, artistas. Esta é a missão: cuidar da obra musical, prioritariamente, deixando de lado nossas (des)crenças, porque, “segundo o sertanejo escolado”, como disse W. J. Solha,  excelsum valde coelum proprie fecit Deus ut placide vivat , que traduzido significa: “Deus já fez o céu bem alto, foi para viver sossegado!” Vladimir Silva

  • A polêmica em torno dos coros cênicos

    Response to Gordon Paine's Essay on Show Choirs   é o título do texto que Michael L. Masterson publicou no Choral Journal, em maio de 1982, contestando o artigo  Coro cênico: algumas ideias para reflexão , de Gordon Paine. O autor inicia sua exposição dizendo que concorda com muitos dos argumentos apresentados, muito embora considere a premissa básica de Paine inválida, pois a música comercial norte-americana é plural e tem valor cultural e educacional. Masterson é de acordo que certa literatura interpretada por coros performáticos pode até ser superficial. Contudo, destaca que, para além da matéria sonora, existem muitos outros aspectos que precisam ser explorados e compreendidos. Ao apresentar um ponto de vista elitista e excludente, Paine reduz as possibilidades de diálogo e caminha na direção oposta daquilo que Howard Swan defendera em seu discurso na convenção da ACDA, isto é, que regentes e educadores podem ajudar seus coralistas a perceberem que “as categorias de  bom  e  ruim  não têm conexão real com as categorias de  clássico  e  popular ”. Além disso, discentes devem aprender a construir tais sentidos a partir das suas próprias experiências com a música. A proposta é que esse movimento, que tem se dedicado à interpretação de repertório popular e jazzístico, contemple obras que tenham raízes na cultura norte-americana, pois, para Masterson, esse processo formativo não pode ser totalmente nostálgico e baseado no passado. Para ele, via de regra e independentemente do estilo, o fazer musical permite que as pessoas vivenciem a obra de arte de forma direta, “seja participando de sua recriação, no ensaio ou na performance.” As ideias de Masterson sintetizam o pensamento multiculturalista em voga no contexto educativo-musical estadunidense. Grosso modo, podemos dizer que as proposições apresentadas são mais inclusivas e menos hegemônicas, ratificando a importância da abordagem intercultural e da diversidade, tanto na sala de aula-ensaio quanto no palco, na sala de concerto. O debate entre Paine e Masterson nos mostra que é preciso superar essa polarização, que, por um lado, superestima a literatura vocal historicamente consolidada por força do poder econômico e político de determinados grupos e povos e que, por outro, subalterniza tudo aquilo que não corresponde ao modelo imposto como  padrão . Quem quiser conferir a resposta de Michael L. Masterson, aqui está o  texto  em língua portuguesa. Esse contraponto, muito embora seja reducionista, diga-se de passagem, é importante para alargarmos nossas discussões em torno de um tema ainda tão atual. Por fim, a percepção das diferenças e a valorização das idiossincrasias são caminhos viáveis para uma convivência equilibrada e respeitosa. A nossa responsabilidade nesse processo é enorme. É, na verdade, um exercício permanente da cidadania, razão pela qual precisamos estar atentos, refletindo criticamente, pois nossas escolhas contribuirão para a preservação ou alteração desse  status quo . Vladimir Silva

  • Coro cênico: algumas ideias para reflexão

    Coro cênico: algumas ideias para reflexão  é um texto de Gordon Paine, que foi publicado no Choral Journal, da American Choral Directors Association, em Maio de 1981, com o título  The Show-Choir Movement: Some Food For Thought . O ensaio, que discute a expansão do coro cênico, coreográfico, performático,  mexitivo , como queiram denominar, nos EUA, na década de 1970, provocou o debate no meio profissional, à época do seu lançamento. Paine inicia sua explanação comentando sobre esse tipo de agrupamento na América do Norte e sobre o espaço que o tema ocupa em publicações como o Choral Journal. O autor critica os conjuntos que cantam repertório  pop  e  jazz , afirmando que são influenciados pela TV e que o uso de microfones, sistemas de som, iluminação, figurinos, coreografia, dentre outros recursos, são, na verdade, embustes que mascaram o fazer musical técnica e artisticamente mais elaborado. Paine questiona a predominância dessa literatura coral, que ele classifica como comercial e moderna, em detrimento daquela que ele considera como de excelência e histórica, alegando que o crescimento descontrolado desse tipo de  ensemble  e repertório poderia extinguir programas corais consolidados, da mesma forma como as bandas marciais têm expulsado as orquestras de muitas escolas. Salienta, ainda, que não se opõe aos arranjos de “bom gosto, artísticos e comerciais nas seções mais descontraídas dos programas corais.” Muito embora temeroso com o caminho que se configurava, Paine conclui dizendo que esse frenesi tem um lado positivo e que seria necessário revisar os programas escolares norte-americanos que contemplam o canto coral como atividade educativa e artística. A crítica de Paine carece de fundamentação, limitando-se ao âmbito músico-vocal. Na verdade, trata-se de uma coletânea de opiniões baseadas em crenças e valores pessoais, recheada de adjetivos que provocam o leitor, sobretudo por conta dos preconceitos que reforçam. É sempre bom lembrar que, em matéria de arte-música, para compreendermos o conflito entre tradição e ruptura é preciso ir além dos versos, das notas e dos ritmos. Antes, é necessário analisar as relações discursivas, os elementos políticos, econômicos e simbólicos que povoam as entrelinhas das práticas musicais em suas múltiplas configurações. Apesar das limitações, esse é um documento que precisa ser lido e compreendido no contexto da sua produção, circulação e recepção, visto que, àquela altura, as discussões em torno da decolonialidade eram escassas, para não dizer inexistentes, nos círculos conservatoriais, por exemplo. Acredito que a leitura também é válida porque, no Brasil, esse é um tipo de proposta estética bastante difundida e, muitas vezes, parte desse embate é desconhecido, ignorado. Para quem quiser conferir na íntegra o documento e tirar suas próprias conclusões, identificando as transitoriedades e permanências do polêmico texto de Paine, compartilho a minha  tradução , esperando contribuir para a compreensão do assunto. Vladimir Silva

  • Repertório coral infantojuvenil

    A FUNARTE lançou, em 2010, uma série de obras para vozes infantis. O trabalho editorial, que amplia os títulos da  Coleção Música Brasileira para Coro Infantil originalmente lançada nos anos oitenta, foi coordenado por Zezé Queiroz e Eduardo Lakschevitz e traz nomes de diferentes partes do país e composições com variadas temáticas:  Dúvidas  (André Protasio),  Bolocochê  (André Vidal),  Por entre os quintais  (Aurélio Melo),  Água  (Cadmo Fausto),  Adultos e crianças  (Danilo Guanais),  Alegria  (Thelma Chan),  Receita de alegria  (Vinicius Carneiro) e  Fábula (en)cantada , de minha autoria ( partitura  -  midi ). Escrevi para coro a duas vozes com acompanhamento, formado por piano e dois instrumentos melódicos, sendo um grave e outro agudo, que, na partitura, estão indicados como oboé e violoncelo, respectivamente. No entanto, tendo em vista as dificuldades que muitos grupos poderão encontrar, deve-se, em caso de necessidade, substituir o oboé e o violoncelo por outros instrumentos melódicos com características similares. O piano também pode ser substituído por um teclado eletrônico. Quando não for possível executar a parte do piano tal como ela se apresenta, o pianista poderá tomar como referência as cifras, que definem a sintaxe harmônica da composição. Do mesmo modo, um violão poderá ser acrescentado na inexistência do piano ou do teclado. A obra está dividida em três seções, cujos afetos são definidos harmonicamente. A primeira seção, em Dó maior, introduz o tema da história e o verso inicial pode ser cantado por um solista ou pequeno grupo de cantores. A ideia é criar um ambiente narrativo num estilo quase recitativo. A seção intermediária, em Dó menor, é mais dramática, ritmicamente intensa e caracterizada pelo diálogo entre as partes. A última seção, em Dó maior, retoma o lirismo da introdução, apresentando a moral de cada verso e da fábula como um todo. A extensão vocal é de uma nona (Dó3–Ré4) e a melodia, que é 
predominantemente diatônica e por graus conjuntos, está diretamente vinculada ao texto. Ressalto ainda que a transposição é livre e que a canção também pode ser interpretada por vozes afins ou coro misto, conforme o contexto. Durante o processo de preparação e interpretação, o regente poderá desenvolver trabalhos interdisciplinares, expandindo o campo de conhecimento do aluno-cantor, promovendo a interação da música com outras áreas, visto que esta lenda pode ser o ponto de partida para vários estudos e reflexões. Sempre que possível, e com muita discrição, deve-se recorrer aos recursos cênicos, representando os diferentes momentos da trama, que ganhará mais expressividade com o auxílio da cenografia e dos adereços. As obras que integram a referida antologia foram concebidas com o intuito de ampliar o repertório infanto-juvenil, apresentando composições acessíveis para a grande maioria dos grupos brasileiros. Todas as partituras estão disponíveis gratuitamente no endereço Repertório Coral - FUNARTE . Vladimir Silva

  • Sí, eres tenor!

    Em 1996, conheci Jasmin Martorell num curso de canto, em Recife-Olinda. Ao longo de uma semana, entre vocalizes e ensaios, trabalhamos intensivamente, nas aulas individuais e coletivas, preparando o repertório do concerto de encerramento e no qual interpretei canções e árias, com uma voz até então desconhecida por todos, inclusive por mim mesmo. Passei a integrar os projetos da Sociedade de Canto Dionysio, com os docentes e discentes do Conservatório Pernambucano de Música, sob a liderança de José Renato Accioly e Julie Cássia Cavalcante (veja os programas). Depois daquele encontro, agendamos mais duas temporadas com o professor franco-catalão. Nós nos reunimos, definimos as datas e rateamos o custo, assegurando, deste modo, a cobertura do investimento e a remuneração do nosso estimado convidado. Em geral, a cada temporada, passávamos cerca de quinze dias ensaiando, preparando solos, duos, trios e quartetos, bem como cenas de ópera. Jasmin não parava nem cansava. Ele trabalhava diuturnamente com o pragmatismo que lhe era bem singular: vocalizes, dicção, compreensão textual, interpretação, tudo isso acompanhado de muita repetição, cobrança e, como não poderia faltar, um pouco de estresse. Essa rotina de trabalho repetiu-se ao longo de 1997. Numa dessas idas à capital pernambucana, fui convidado para passar seis meses em território francês, estudando por lá. Organizei a vida, fiz as contas, consegui autorização para seguir neste novo projeto, que também integraria as atividades do PPGMUS-UFBA, e parti rumo à Europa. Deixei o escaldante verão nordestino e enfrentei o frio congelante de Toulouse, essa linda cidade avermelhada, situada no coração do sul da França, entre o Mediterrâneo e o Atlântico. Morei na zona rural, na casa da família Martorell, que me recebeu como filho. Todos os dias, saía cedo em direção ao Conservatório Nacional a fim de estudar, ensaiar e visitar a biblioteca. À medida em que o tempo avançava, fui melhorando a comunicação, a fluência na língua francesa, a socialização com os novos amigos, oriundos de tantos países. Aquele semestre mudou a minha vida, abriu horizontes e ratificou uma premissa básica: tudo o que nós necessitamos é ter uma oportunidade. E comigo não foi diferente. A chance veio, eu mergulhei, nadei e cheguei às margens de outros oceanos. Mexendo em meus arquivos, encontrei as fotos, o programa (feito à mão, ressalte-se) e uma fita K-7 com a gravação de um dos concertos que participei naquela temporada, cantando Villa-Lobos (veja o vídeo). A alegria foi indescritível. Lembrei-me do meu primeiro professor de canto, que, num passe de mágica, fez eclodir a voz que somente eu ouvia, latente e pulsante, no mais recôndito esconderijo da alma. Ainda sorrindo com o eco da tua fala me dizendo sí, eres tenor, hoje, Jasmin Martorell, são para ti todas as reverências, o mais profundo respeito, o meu sincero amor. Vladimir Silva

  • Se não se amarrar, não vende!

    Tocar ou cantar em grupo é uma tarefa desafiadora, pois, além de interpretar o repertório, executando-o no tempo, afinado e com técnica, é preciso observar o outro, interagindo, ao mesmo tempo, de forma autônoma e interdependente. Para ler o que há por trás de cada olhar e movimento, um grupo necessita ensaiar de forma consistente por um período considerável de tempo. Muitas vezes, as informações são sutis e passadas discretamente, suprimindo toda e qualquer necessidade de verbalização. Mas esse conhecimento só brota com a intimidade, que, por sua vez, é fruto de uma convivência saudável e pautada no respeito e na confiança. Como regentes, desenvolvemos um cabedal de gestos com o qual nossos coros, bandas e orquestras se familiarizam. Muito embora pretensamente universais, eles carregam elementos idiossincráticos, com os quais chamamos a atenção para pontos específicos, dentre os quais a sonoridade, o fraseado, a precisão rítmica, os formatos das vogais, as passagens mais complexas. O olhar fixo nas mãos, o vai-e-vem do tronco e a forma como nos dirigimos para um determinado naipe falam sobre as verdades construídas ao longo de várias horas de ensaio. Quanto mais conseguimos ler as entrelinhas, captando, assim, o não-dito, mais diligente e carregada de sentido será a nossa performance. Quando há correspondência mútua, aí, então, a fruição estética se torna mais intensa, atingindo também o público, que reage proporcionalmente ao grau de envolvimento e cumplicidade que demonstramos no palco. No documentário Sob o Céu de Zabé (veja o vídeo), produzido por Márcia Paraíso, em 2014, e que trata da vida e obra de Isabel Marques da Silva (1924-2017), mais conhecida como Zabé da Loca, uma passagem chama a atenção. Pitó, que integrava o terno-de-zabumba dessa famosa agricultora-musicista que viveu no Cariri Oriental paraibano, dá um depoimento singular, no qual descreve suas experiências e diz que “a música é uma entremelagem de juntamento.” Analisando a sua fala, nota-se que ao usar o vocábulo entremelagem, provavelmente uma corruptela do verbo francês entrêmeler, ele reitera o sentido de entrelaçamento que as práticas de conjunto, tanto instrumentais quanto vocais, evocam, convidando-nos também a refletir sobre a complexa relação que se estabelece entre o indivíduo e o grupo nestas e em outras instâncias do saber/fazer musical. O emblemático discurso do percussionista revela a força da construção coletiva e reforça a crença de que para tocar e cantar com outras pessoas é preciso observar muito mais que as frequências, as durações e suas respectivas articulações e variações de intensidade. Sem diálogo e interação não há conjunto. Por isso, Pitó, de forma sábia e graciosa, é enfático ao comparar um grupo musical a um lerão de coentro dentro de um balaio num dia de feira. Nos dois contextos, “se não se amarrar, não vende!” Vladimir Silva

  • Música para a Quaresma

    A Quaresma é o período que vai da Quarta-Feira de Cinzas até a Páscoa. Para a Igreja Católica, esse é um momento de conversão, meditação e penitência, motivo pelo qual a liturgia adquire conotações específicas, conforme descrito nos documentos eclesiásticos. O roxo é predominante nos altares e paramentos sacerdotais. Dentre os itens proibidos nas celebrações ao longo desse período estão as orações e cânticos de louvor, como, por exemplo, o Gloria e o Aleluia, as flores no altar e o uso do órgão, que só é permitido nos domingos e férias para acompanhar o canto. A literatura coral escrita para a Quaresma e para o Tríduo Pascal, que congrega as celebrações da Quinta-Feira (In Coena Domini), Sexta-feira (In Passione Et Morte Domini) e Sábado Santo (Sabbato Sancto), é muito ampla. Essa música, seja para coro a cappella ou acompanhado, pode ser inserida em diferentes contextos litúrgicos e/ou paralitúrgicos. Ela é rica em simbolismo musical, visto que os compositores captam a essência dos textos, representando os diferentes afetos e estados emocionais que eles suscitam. Esta retórica musical pode ser percebida numa simples antífona monofônica medieval, como, por exemplo, Ubi caritas, quanto nos complexos motetos de Poulenc (Timor et tremor, Vinea mea electa, Tenebrae factae sunt e Tristis est anima mea). No Brasil, a produção de música sacra foi muito intensa durante o período Colonial-Imperial. Padre José Maurício Nunes Garcia compôs, entre 1798 e 1809, um conjunto de peças para as diferentes liturgias da Semana Santa, a maioria delas para coro misto a cappella, que foram editadas e publicadas por Cleofe Person de Matos, em 1976, no Rio de Janeiro, muitas das quais já tive a oportunidade de interpretar, a exemplo dos motetos Sepulto Domino e Domine, tu mihi lavas pedes. O Projeto Acervo da Música Brasileira – Restauração e Difusão de Partituras, do Museu da Música de Mariana, tem se dedicado à restauração, edição e publicação de obras religiosas dos séculos XVII a XX, dentre as quais aquelas escritas por Emerico Lobo de Mesquita, João de Deus Castro Lobo, Manuel Dias Oliveira, dentre outros nomes. As pesquisas já deram origem a vários livros e gravações, a exemplo da coleção Matinas de Quinta-Feira Santa, do compositor mineiro Jerônimo de Souza Queiróz, interpretada pelo Conjunto Calíope e Orquestra Santa Tereza, sob a direção de Júlio Moretzsohn. A Quaresma está começando hoje. Que ao longo deste período, e independentemente da fé que professamos, possamos cantar esta literatura que é patrimônio da humanidade, ampliando o repertório dos nossos coros e enriquecendo, com beleza e lirismo, os diversos momentos da história da paixão, morte e ressurreição de Cristo. Vladimir Silva

  • Música e carnaval

    Carnaval é sinônimo de liberdade e alegria. É a festa do deboche e do sarcasmo na qual os brincantes, por meio da arte, questionam e desmistificam o discurso da autoridade e do poder, abordando a vida cotidiana com muito humor, ironia e irreverência. Na Itália seiscentista, a expressão canti carnascialeschi designava as canções polifônicas cantadas no carnaval florentino por intérpretes mascarados, que, segundo o Dicionário Harvard de Música, andavam a pé ou fantasiados em carros decorados. Os textos das composições, na sua grande maioria anônimos, celebravam as artes e o comércio da região, assim como tratavam de temas alegóricos e moralistas. Os poemas eram estróficos, apresentando geralmente versos octossílabos. Como as composições eram interpretadas em espaços abertos, nas ruas e praças, e a compreensão do texto era condição essencial para a instauração do riso, os compositores recorriam às formas homofônicas e silábicas, daí a predileção pela frottola, a canzona a ballo, a villanella e a mascherata. As canções obscenas e com duplo sentido também integravam o repertório carnavalesco renascentista, como sugere o título Canti della malmaritata, delle donne giovani e di mariti vecchi, delle vedove, dei giudei battezzati (Canções das esposas infelizes, das esposas jovens casadas com homens velhos, das viúvas, dos judeus batizados) e os versos de Canti di lanzi tamburini, cuja tradução apresentamos a seguir: “Lanzi percussionistas nós somos, / vindos da Alemanha / para tocar bombo e flautas / onde há guerra e bons vinhos. / Nós temos flautas grossas, / longas e bem decoradas; / Belas senhoritas, nós podemos mostrá-las, / todas tocam suavemente, / e são boas na frente e atrás, / no começo e até o fim... / E se vocês também, adoráveis senhoritas, / desejam aprender como tocá-las, / nós estamos alojados na Piazza Padella, / no lado oposto aos banhos quentes, / onde, costumeiramente, / oferece-se prazer aos florentinos”. A temática sexual foi explorada por outros compositores italianos e franceses, dentre os quais Clément Janequin, que escreveu várias canções baseadas nos poemas satíricos e eróticos de Clément Marot, todas com forte apelo burlesco. Carnaval é ruptura e inversão, e a música há muito tempo tem sido usada para dessacralizar os discursos oficiais. Como José Luiz Fiorin observa, no livro Introdução ao pensamento de Bakhtin, o carnaval não é uma festa que se presencia, mas que se vive. Para ele, “o carnaval é constitutivamente dialógico, pois mostra duas vidas separadas temporalmente: uma é a oficial, monoliticamente séria e triste, submetida a uma ordem hierarquicamente rígida, penetrada de dogmatismo, temor, veneração e piedade; outra, a da praça pública, livre, repleta de riso ambivalente, de sacrilégios, de profanações, de aviltamentos, de inconveniências, de contatos familiares com tudo e com todos”. Vladimir Silva

  • Selecionando o repertório coral

    Quando estou selecionando repertório para meus grupos, costumo trabalhar muitos dias nessa tarefa. Geralmente, organizo as obras que pretendo interpretar a curto, médio e longo prazo em três categorias: na primeira, incluo as composições mais simples, que podem ser incorporadas ao dia-a-dia do conjunto rapidamente; na segunda, aquelas que exigem elevado nível técnico e cuja preparação demanda mais tempo; na terceira, as masterpieces, obras que necessitam de muitos recursos humanos e financeiros para serem executadas e que não dependem exclusivamente da minha iniciativa. Além desses critérios, analiso o potencial das peças e vejo se elas contemplam múltiplas dimensões do fazer musical. Prefiro trabalhar com literatura original, escrita por diferentes autores(as) e em períodos distintos, seja para coro, banda ou orquestra. Eventualmente, para variar e de acordo com as necessidades, insiro arranjos, versões e adaptações. Faço isso porque, no caso específico do canto coral, percebo que muitos colegas têm priorizado um repertório de qualidade duvidosa, com forte apelo midiático, deixando de lado obras de referência, alegando os mais variados argumentos, muitos dos quais infundados. Combino o velho e o novo, o local e o regional, os(as) compositores(as) consagrados(as) e aqueles(as) em ascensão, cuja produção, além de tecnicamente adequada e acessível, seja igualmente expressiva e bela. Às vezes, exploro um(a) autor(a), uma época, um estilo, um tema, o repertório a cappella; outras, música com solistas, coro e acompanhamento instrumental. Sempre busco a variedade de andamentos, tons, articulações, dinâmicas, textos, texturas e caráteres. É preciso paciência para garimpar e organizar esse quebra-cabeças, pois quando o repertório não é selecionado criteriosamente é possível que haja desânimo, que os ensaios se tornem morosos, que o desgaste entre regente e músicos se acentue, que a experiência musical não seja afetiva, lúdica. A plateia também reage diante de escolhas inconsistentes, equivocadas, bocejando, mexendo-se nas poltronas, desejando, ansiosamente, o fim do concerto. Selecionar o repertório da temporada é uma ação que requer calma, posto que a pressa é inimiga da perfeição, e muita racionalidade, visto que a emoção não é sábia conselheira. Antes de tomar uma decisão, esboço várias possibilidades, equilibro os princípios que norteiam a minha práxis artística e pedagógica com as necessidades e as expectativas daqueles com os quais irei conviver e trabalhar. Tento resistir, na medida do possível, às pressões extrínsecas, muitas das quais podem ser motivadas pelo modismo, pelas imposições do mercado, pelas exigências dos chefes imediatos, pelos caprichos dos mecenas, pela opinião dos impertinentes. Todo ano, nessa época, meu desafio – e o de muitos regentes – é sempre o mesmo: organizar o repertório sem perder de vista o ideal, sem abrir mão da excelência, sem excluir a possibilidade de mudança ao longo do percurso. Vladimir Silva

  • A primeira lapingochada é minha

    Um dos maiores mananciais para a pesquisa da música de double entendre é indiscutivelmente o Renascimento. São inúmeros os exemplos desse tipo de repertório na literatura vocal do século dezesseis. O uso das onomatopeias e o emprego de refrãos compostos por sílabas neutras, dentre as quais fa-la-las e suas variantes, reforçam o perfil dúbio dos textos que muitas canções seculares evocam, ratificando aquilo que Bakhtin já preconizara, isto é, que a carnavalização é uma forma de contradiscurso, que provoca o riso e a reflexão de quem os enuncia/escuta. Um villancico que ilustra bem esse processo é Dale si le das, moçuela de Carasa. Em todos os versos há sempre uma dúvida semântica que se estabelece pelo uso de trocadilhos: Otra mozuela, Teresica, mostrado me ha su cri[ca]... atura que llevaba bien criada (Outra jovem, Teresica, mostrou-me seu bichinho bem cuidado). A fermata sobre a sílaba cri, no substantivo criatura, seguida por breve pausa, sugere que a rima para Teresica seria crica, um dos sinônimos para a genitália feminina, na língua espanhola. Como ratifica Fiorin, a linguagem carnavalesca “é repleta de sarcasmos e insultos. No entanto, esses xingamentos e zombarias não têm caráter ofensivo, mas brincalhão.” No renascimento italiano e francês isso ocorre frequentemente, basta analisar alguns madrigais ou as chansons de Clement Janequin. A música popular brasileira, sobretudo aquela produzida aqui no Nordeste, explora essa temática de modo muito particular. O chamado forró de duplo sentido mantém-se vivo, intrigando-nos e ao mesmo tempo alegrando-nos com suas ironias e ambiguidades. Clemilda, Zenilton, João Gonçalves e Genival Lacerda, dentre outros(as), gravaram sucessos que ainda hoje nos fazem sorrir, pensar e dançar. Zé da Onça, uma pérola de João do Vale, Abdias Filho e Adrian Caleiras, trilha do filme Rico ri à toa, dirigido pelo cineasta Roberto Farias, produção da Brasil Vita Filmes, é uma crônica de costumes que aborda questões éticas e amorosas com leveza e escárnio. Nos versos da canção, uma mulher conversa com um homem, dizendo-lhe que o seu esposo está prestes a morrer. Comenta que, ao lado dele, a vida não é das melhores e que isso deverá piorar após a sua partida. Predador, como todo felino, e carregado de segundas intenções, Zé da Onça diz-lhe que, caso fique viúva e decida contrair matrimônio mais uma vez, ela deveria dar-lhe a preferência, pois os dois dão certo e combinam “tal qual a boca de um bode.” O jogo dialógico do casal é permeado por ambivalências que são potencializadas até o final da narrativa, quando Sá Chiquinha, de forma ingênua e maliciosa, pergunta: “Se eu quiser me casar de novo, Zé, o que é que há?” E ele, quase descrente, mas eufórico, responde: “A primeira lapingochada é minha!” Vladimir Silva

  • Janequin e Marot

    A relação entre música e texto sempre teve um papel fundamental dentro do processo criativo. Os compositores seiscentistas exploraram os aspectos expressivos e a potencialidade do poema para representar e suscitar emoções e sentimentos. Tais princípios foram aplicados a diversas formas de composição, incluindo a chanson. A obra de Clément Janequin (1485-1558) é extensa e ele escreveu música sacra e secular, rica em onomatopeias e simbolismo musical. Em canções como La guerre, Le chant des oyseaux, Le cris de Paris, Le caquet des femmes e La chasse, por exemplo, ele emprega figuras retóricas como a hypotypose, que potencializa a descrição poético-musical. Clément Marot (1496-1544), por sua vez, debocha da tradição, das práticas sexuais, das mulheres e dos homens traídos usando formas fixas, rondós, epigramas e blasons, forma na qual o poeta foca em um detalhe anatômico do corpo feminino e desenvolve seu elogio com um meticuloso jogo de palavras. Estudos indicam que ele teve mais de trezentos versos musicados por cinquenta compositores diferentes, dentre os quais Clément Janequin. Da parceria entre Janequin e Marot nasceram obras singulares da literatura coral, tais como L’espoux a la première nuict, Martin menoit son porceau, Du beau tétin e Ung jour Robin, todas com forte apelo erótico. É interessante notar como a poesia narrativa contribuiu para a definição da canção polifônico-descritiva seiscentista e, mais particularmente, para a definição do estilo de Janequin. Em Martin menoit son porceau, por exemplo, o perfil melódico-rítmico, os contrastes na textura, a mudança tímbrica e as passagens declamatórias estão diretamente associadas ao texto, pontuando a fala das personagens, realçando aspectos semânticos importantes. O poema, com tradução de Eustáquio Rangel, apresenta-se assim: “Martin levava seu porco ao mercado com Alix, que lhe suplicava a plenos pulmões para que ele a possuísse. Estavam um sobre o outro, e Martin perguntou-lhe: ‘Mas quem ficará com nosso porco? – Quem?, perguntou Alix. Há uma solução!’ Enquanto o porco estava com as pernas amarradas, Martin abriu ostentosamente a braguilha. O porco assustou-se, e Alix gritou: ‘Fecha, Martin, nosso porco está me puxando!” Para perceber os diferentes sentidos do texto, ouça a interpretação do Ensemble Clement Janequin. Janequin é considerado por muitos historiadores o grande nome da chanson parisienne. Sua música secular é satírica, erótica, carnavalesca, marcada pelo riso, que, como aponta José Luiz Fiorin, “dessacraliza e relativiza as coisas sérias, as verdades estabelecidas, e que é dirigido aos poderosos, ao que é considerado superior.” Janequin contribuiu para o estabelecimento de uma nova práxis composicional, optando pelo experimentalismo, pela construção de novas formas, pela instauração de um novo discurso. A (re) inserção destas obras emblemáticas em nossos repertórios exigirá dos intérpretes, além do apurado domínio técnico, musical e vocal, uma escuta mais atenta à filosofia geral do Humanismo e da vida. Vladimir Silva

  • O ensino do solfejo

    Uma obra relevante quando o assunto é a aprendizagem do solfejo no contexto da prática coral é Building Choral Excellence: Teaching Sight-Singing in the Choral Rehearsal, de Steven M. Demorest (Oxford, 2001). O livro está organizado em três partes, assim distribuídas: 1) Por que ensinar a leitura à primeira vista?, 2) Como ensinar a leitura à primeira vista? e 3) Quais materiais estão disponíveis?. A primeira seção trata da proposição de Lowell Mason, um dos primeiros a elaborar material didático para o ensino do solfejo nos Estados Unidos da América. Além desse tema, aborda a comercialização de tais produtos e o movimento a cappella nas escolas norte-americanas, destacando que o desenvolvimento da habilidade do solfejo está contido nos padrões nacionais para a educação artística (National Standards for Arts Education, 1994). Na segunda parte, Demorest compara os sistemas fixo e móvel, bem como as concepções de Kodály, Dalcroze e Gordon, apontando as semelhanças entre as propostas do educador húngaro e aquelas do norte-americano, pois ambos acreditavam que os músicos deveriam, antes de qualquer performance, compreender e experimentar a música internamente, por meio de um processo mental denominado de “audiação”. Para exemplificar, o autor elabora planos de aulas que incluem a etapa pré-notacional, a compreensão dos elementos da partitura, a entoação de melodias nos modos maior e menor, a uma e mais partes, bem como jogos. O solfejo e sua conexão com o repertório é abordado, assim como diferentes formas e estratégias para avaliação do nível de aptidão dos coralistas, tanto do ponto de vista individual quanto coletivo. A terceira seção analisa uma ampla gama de materiais que podem ser usados por coros com diferentes níveis. Esse inventário abrange os corais de J. S. Bach e outros livros elaborados com finalidades pedagógicas e que contêm exercícios específicos com graus de dificuldade variados. Steven Demorest (1959-2019) foi educador musical, regente e pesquisador, tendo atuado em várias instituições nos EUA. Seu tratado, Construindo a Excelência Coral: ensinando leitura à primeira vista no ensaio coral, ainda não traduzido, é um livro fundamental para quem deseja ampliar os conhecimentos na área da metodologia do ensaio, psicologia e neurociência cognitiva da música, campos nos quais o referido professor era especialista e deixou vasta contribuição teórico-prática. Muito embora tenha sido escrito há duas décadas e alguns dados encontrem-se desatualizados, esse é um texto enriquecedor, que nos convida à reflexão, que nos faz pensar sobre as numerosas facetas do nosso cotidiano profissional. Para quem deseja ampliar o campo de atuação, essa é uma leitura obrigatória, que fará grande diferença para o (a) regente, sobretudo no que diz respeito aos aspectos educativos da atividade coral. É, portanto, um excelente investimento para aqueles (as) que, de fato, desejam um novo início de ano/vida. Vladimir Silva Leia mais: Livros de solfejo: Melodia Dó móvel ou dó fixo?

  • Livros de solfejo: Melodia

    Melodia: A Compreenhesive Course in Sight-Singing, organizado por Samuel W. Cole e Leo R. Lewis, foi publicado nos Estados Unidos no início do século XX. O livro, cujo título em português é Melodia: um curso completo para leitura à primeira vista e que pode ser adquirido gratuitamente aqui, está dividido em quatro partes, apresentando exercícios mono e polifônicos, diatônicos e cromáticos, em diferentes tons, modos e métricas. As atividades apresentam graus de dificuldade crescente. Boa parte daquelas que estão em uníssono foram também escritas na clave de fá, permitindo que todas as vozes se familiarizarem com a leitura em múltiplas claves. As que são a duas partes podem ser cantadas por vozes iguais ou mistas, em pares e também de maneira invertida, isto é, sopranos e contraltos cantam a voz inferior e vice versa. Esses duetos funcionam igualmente nas aulas individuais de canto. Alguns exemplos foram extraídos da literatura musical produzida entre o Renascimento e o período Romântico, o que quer dizer que estamos lidando com repertório. A inexistência de indicação de fraseado e variação de dinâmica, por exemplo, é um convite para que os intérpretes explorem distintos aspectos da estrutura musical em questão. O objetivo dos autores é preparar os (as) cantores (as) para que eles/elas possam interpretar a vasta literatura coral disponível no mercado da melhor forma possível, o que contempla cantar no tempo, afinado, com técnica e expressivamente. Há quem refute as proposições de Cole e Lewis por considerá-las antiquadas, porque são eurocêntricas ou porque elas não estão vinculadas ao nosso contexto cultural, argumentos válidos, em certa medida, mas que não tiram o mérito da obra. Eu gosto da proposta e a utilizo em diversas situações, ciente das suas limitações e possibilidades. Como sou adepto da relativização, leio os exercícios nesse prisma, embora tenha consciência de que o compêndio fora concebido sob a perspectiva do solfejo fixo. Faço isso porque sei que nenhum método, per si, assegura o desenvolvimento de qualquer habilidade. É a maneira como nós o utilizamos, a relação que estabelecemos com ele, que nos leva a atingir resultados mais ou menos eficazes. Dedicar parte do ensaio para o aprimoramento da leitura à primeira vista é um investimento válido para incrementar a performance de um grupo, razão pela qual essa prática pedagógica, seja por meio do sistema Dó-Fixo, Dó-Móvel ou em conexão com o repertório, precisa estar presente em nossa agenda. Minha recomendação é adotar as metodologias com as quais nos identificamos e conhecemos. De resto, eu acredito que, assim como uma obra não pode ser estigmatizada por conta da sua idade e procedência, não nos cabe condenar quem ainda acredita no solfejo como um dos caminhos para o fortalecimento da autonomia dos (as) nossos (as) coralistas. Vladimir Silva Leia mais: O ensino do solfejo Dó móvel ou dó fixo?

  • Festival Nordestino de Corais

    O terceiro Festival Nordestino de Corais, uma promoção da Fundação Artístico-Cultural Manuel Bandeira, aconteceu no Teatro Municipal Severino Cabral, em Campina Grande-PB, nos dia 2 e 3 de agosto de 1986. O evento, que congregou participantes de sete estados das regiões norte e nordeste, foi coordenado por Antônio Sérgio Telles das Chagas, que na ocasião apresentou-se com o Coral Cecília Meireles (FACMADRIGAL) e o Grupo Vocal Céu da Boca. Da Serra da Borborema participaram outros quatro coros, sendo dois preparados por José Cavalcanti da Silva, o Coral Severino Lopez Loureiro e o Antônio Guimarães; o Coro em Canto, vinculado à UFPB, Campus II, sob a regência de Fernando Rangel; e o meu, o Viva Voz, ligado ao Centro Cultural. Foi nesta ocasião que fiz minha estreia como regente. De João Pessoa estiveram presentes o Coral da APCEF, do colega Antônio Carlos Batista Pinto Coelho (Tom K); o Coral Universitário da Paraíba “Gazzi de Sá” e o Grupo Ânima, ambos sob a batuta de Eli-Eri Moura, que também estava a frente do Madrigal da Escola de Música da UFRN. Da Veneza brasileira veio o Coral da CHESF, chefiado por Ramon Pazos Buezas; o Coral dos Empregados da TELPE, liderado por José C. Beltrão Júnior; e o Coral SINPAS, do maestro Laury Bernardes da Silva. O Coral Hermeto Pascoal e o Artium Suprema representaram Alagoas com seus diretores Petrúcio Falcão e Islêne Leite. O maestro Giovanni Pelella chegou com o Coral da Universidade Federal do Maranhão, de São Luís, enquanto Adolfo Oliveira dos Santos trouxe o Coral Vocal, de Belém, no Pará. Da capital sergipana, Aracaju, o SESCORAL, dirigido por José Carlos Tourinho e Silva, e o Coral da UFS, com Antônio Carlos Clech (veja alguns documentos do evento). O repertório era diversificado, incluindo música sacra e secular, original e arranjada, brasileira e internacional, a capela e com acompanhamento. No programa, encontramos Hasler, Dowland, Mozart, Schubert, Saint-Saëns, Osvaldo Lacerda, Waldemar Henrique, José Alberto Kaplan, além de vários arranjadores, incluindo os próprios maestros, Nelson Mathias e José Pedro Boésio, referências da área naquela época. Parte das apresentações está digitalizada e disponível em vídeo (veja aqui). Participei deste encontro e tive a oportunidade de conhecer e selar laços com muita gente. Fico imaginando que toda a produção foi feita por via postal, com correspondências, telegramas, faxes e telefonemas, nem sempre tão acessíveis. Os grupos viajavam de ônibus, sem o conforto e a segurança facilmente encontrados atualmente, ficavam hospedados três ou quatro dias em alojamentos, nas igrejas, no Teatro, nos quarteis. Quando partiam, as promessas do reencontro ecoavam pela estrada sem fim. Era assim que Campina realizava seus Festivais, vibrando em harmonia, com as vozes em festa, celebrando a amizade e a vida. Vladimir Silva Leia mais: O canto coral na Paraíba: Gazzi de Sá O canto coral na Paraíba: Tom K O canto coral na Paraíba: Grupo Anima Um som inconfundível

  • Canções para sorrir e sonhar

    As obras do livro Canções para sorrir e sonhar nasceram quando os meus filhos, Vinicius e Sofia, iniciaram a vida escolar. Desde os primeiros dias de aula, os dois estiveram envolvidos em inúmeras atividades e projetos, sempre encarando os novos desafios e situações com o auxílio da música. Sentindo a necessidade de criar um material didático-musical que pudesse auxiliá-los na compreensão dos conteúdos estudados e das experiências que vivenciavam, comecei a escrever o presente repertório. Os textos das peças abordam o corpo, as noções de direção, espaço, tempo e forma, a família e a natureza, temas pertinentes à educação básica. Os elementos do imaginário infantil, a exemplo das fadas e bruxas, também estão incluídos, bem como assuntos mais complexos, como, por exemplo, a mudança da dentição. Todo esse conjunto de ideias é tratado numa perspectiva lúdica, estimulando a imaginação, o jogo, a brincadeira. As canções, de forma geral, são curtas, predominantemente diatônicas, com ritmos simples e confortável âmbito vocal. As cifras permitem o acompanhamento com qualquer instrumento harmônico. Todas as músicas estão escritas numa região cômoda, média-aguda, pois a meta é estimular a expansão desse registro nas vozes infantis e infantojuvenis. As famílias e os(as) educadores(as) podem transpor as peças, adequando-as às realidades nas quais estão inseridos(as), tornando o cancioneiro acessível ao nível de desenvolvimento músico-vocal dos(as) seus(suas) filhos(as) e alunos(as). É possível combinar vozes e instrumentos na execução das obras, que podem ser arranjadas de acordo com os recursos disponíveis. A associação entre som e movimento é importante para a aprendizagem musical, razão pela qual a inserção de coreografias pode contribuir para a consistência do processo interpretativo. As indicações de tempo e sugestões de ritmos de danças também podem ajudar nessa construção. Muito embora as canções tenham sido escritas orginalmente para crianças, elas também podem ser interpretadas por solistas, coros de vozes afins ou mistos. Nos últimos anos, tenho me dedicado a reescrevê-las, adaptando-as para três e quatro vozes, ampliando, assim, a literatura coral brasileira e as possibilidades de escolha de repertório das famílias, dos(as) educadores(as) e músicos em geral. Nada disso teria sido possível sem a colaboração de muitas pessoas. Gostaria de agradecer aos meus filhos e esposa, por toda a inspiração; aos irmãos e educadores(as) Marcílio, Stella, Bernadete, Márcia e Socorro Rangel; aos alunos e professores do Instituo do Dom Barreto, na cidade de Teresina, Piauí, que me desafiaram e cantaram grande parte do repertório contido na coletânea; ao corpo discente com o qual tenho trabalhado, que também sorriu, sonhou e até chorou cantando essas canções. Por fim, minha gratidão a Sabrina Cipriano, que fez as ilustrações que integram esse ecossistema, e a Everton Avelino, da Editora Birosca do Meroveu, que tornou meu sonho possível. Vladimir Silva

  • Dó móvel ou dó fixo?

    Um método de ensino é um conjunto de regras e princípios que orientam a prática pedagógica, devendo ser entendido como o meio através do qual atingimos um fim. Existem vários métodos dirigidos para o ensino do solfejo. No solfejo fixo, as sílabas especificam o nome das notas, independente da função. Muitos estudiosos argumentam que o método é excelente para o desenvolvimento do ouvido absoluto, o que ainda é matéria controversa. No solfejo fixo, a notação musical é a referência, e as notas são sempre designadas pelo mesmo nome: sol, solb ou sol#, por exemplo, será “sol”; já o intervalo dó–mi, dó#–mi, dó–mib ou dó#–mib será “dó-mi”. Alguns professores focalizam a atenção no ensino dos intervalos, isolando-os do contexto musical. Este método parece ser útil quando o regente precisa resolver problemas de afinação específicos, nas passagens mais difíceis do repertório. Quanto ao solfejo relativo, os nomes das notas são referências que ajudam a estabelecer a distância entre os graus da escala, uma vez que a atribuição dos nomes das notas é feita com base na análise harmônica e não apenas na notação musical. O solfejo é funcional, e a transposição é a essência do método. Para qualquer tom no modo maior, o modelo é sempre a escala de dó, enquanto no modo menor a referência é a escala de lá. As notas alteradas podem receber diferentes nomenclaturas, dependendo do contexto no qual se inserem. Tomando dó como ponto de partida, temos a seguinte escala cromática ascendente: dó, di, ré, ri, mi, fá, fi, sol, si, lá, li, ti. Em sentido descendente, temos: dó, ti, te, lá, le, sol, se, fá, mi, me, ré, ra, dó. O método móvel, que tem suas origens associadas ao sistema hexacordal desenvolvido por Guido D’Arezzo, ganhou força e projeção com o trabalho de Zoltán Kodály, na Hungria, na primeira metade do século XX. Alguns educadores, ao invés de sílabas, utilizam números no ensino do solfejo relativo. Os números especificam os graus da escala, e o primeiro grau é sempre a tônica. O uso dos gestos (manossolfa) também contribui para a aprendizagem, facilitando a internalização das relações entre as diversas alturas, exigindo mais atenção do aluno. Cada método apresenta vantagens e desvantagens. Cabe ao regente avaliá-las e escolher aquele que atende às suas necessidades, pois mais importante que o método é a forma como o professor o utiliza. Além disso, se o educador domina o método, o resultado será refletido no trabalho dos alunos. Assim, a nossa prática coral, ainda baseada na memorização do repertório através do exaustivo e insignificante processo de repetição, adquirirá novo sentido e, finalmente, colheremos os frutos de uma ação planejada e objetiva. Vladimir Silva

  • Pensar, agir e cantar como solista

    Quando a aprendizagem do repertório coral ocorre apenas por meio da memorização, quase sempre é necessário repassar muitas vezes um mesmo trecho, fato que pode tornar os ensaios morosos, comprometendo o cronograma de atividades do grupo e a interpretação de outras obras. Nesse contexto, a inclusão de uma literatura mais complexa, elaborada e variada, seja sob o ponto de vista melódico, harmônico, rítmico ou textural, é quase sempre descartada, pois não há espaço, e em muitos casos interesse, para tal tipo de abordagem. A situação é mais ou menos contornada se o conjunto tem integrantes que, muito embora não saibam ler partitura, têm boa memória musical. Em certa medida, eles são a referência para aqueles mais inseguros e assumem o papel de arrimos do naipe. O que parece ser uma solução, a priori, pode, na verdade, ser um problema, sobretudo quando se estabelece uma relação de dependência, viciosa, e o coro não consegue cantar sem tais líderes. Esse quadro se agrava quando esse cantor, consciente da responsabilidade que tem dentro do grupo, se considera insubstituível e passa a agir de forma inconveniente e perigosa, tratando os demais colegas e o regente como reféns dos seus caprichos, vontades e opiniões. Algumas atitudes contribuem para ratificar esse status. Às vezes, o ensaio não começa enquanto esses indivíduos não chegam. Em outras ocasiões, as apresentações são canceladas porque tais coralistas não podem participar. Quando esse tipo de liderança involuntária ganha notoriedade no âmbito de um grupo e conta com a aquiescência dos seus integrantes, recebendo elogios excessivos e/ou tratamento diferenciado, os prejuízos se revelam a curto, médio e longo prazo. Tal conjuntura fortalece o vedetismo daqueles que se acham imprescindíveis, potencializam reações passionais, esvaziam o sentido sócio-político-cultural-educativo da prática coral. Memória, ouvido e voz são, indiscutivelmente, atributos necessários para todo e qualquer intérprete. No entanto, como regentes, precisamos trabalhar objetivamente o solfejo e a técnica do canto, explorando o potencial de cada um dos membros do coro, indistintamente, seja num grupo religioso, de empresa ou universitário, de vozes afins ou mistas, adulto ou infanto-juvenil. À semelhança do que ocorre com o entrelaçamento dos sujeitos e contrassujeitos de uma composição polifônica, nossa ação deve favorecer a autonomia, estimular as relações interdependentes, tanto no plano afetivo quanto do saber/fazer musical, evitando, sob todas as perspectivas, os vínculos que criam dependência, relações doentias, o estrelato. Fomentar uma nova forma de atuação, criando mecanismos que assegurem a autossuficiência dos cantores, sem perder de vista, todavia, a coletividade que a prática coral exige, parece ser um caminho viável. Em outros termos, queremos que os nossos coralistas pensem, ajam e cantem como solistas, mas sempre em uníssono. Vladimir Silva

  • O canto coral na Paraíba: Gazzi de Sá

    Gazzi de Sá (1901-1981) é a referência do canto orfeônico na Paraíba, na primeira metade do século XX. Nascido em João Pessoa, morou em Salvador e no Rio de Janeiro, onde conheceu de perto o trabalho de Heitor Villa-Lobos. Trabalhou em dois importantes centros educacionais e culturais da capital paraibana: o Liceu e a Escola Anthenor Navarro. Educador, pianista e compositor, atuou também como regente, tendo criado e dirigido o Coral Villa-Lobos, de João Pessoa, cujo repertório incluía clássicos da literatura, assim como novos arranjos e obras, muitas das quais de sua autoria e baseadas na música de tradição oral. Parte deste material foi publicado pela Editora da Universidade Federal da Paraíba, na década de oitenta, sob o título Obras Completas, com apresentação do musicólogo Adhemar Nóbrega, da Academia Brasileira de Música. No livro Método de Musicalização, Gazzi de Sá apresenta alguns dos seus conceitos no campo da educação musical, propondo, dentre outros temas, a associação entre movimento e som, o solfejo relativo e um sistema de notação musical alternativo. Luceni Caetano, da Universidade Federal da Paraíba, tem investigado a vida, a obra e o trabalho desenvolvido por Gazzi de Sá, preenchendo uma importante lacuna nesta área. O resultado de uma das pesquisas foi publicado em 2006, na sua tese de doutorado, intitulada Gazzi de Sá compondo o prelúdio da educação musical na Paraíba: uma história da educação musical na Paraíba nas décadas de 30 a 50, lançada ano passado pela EDUFPB. O acesso à música de Gazzi de Sá ainda é restrito, porque as poucas obras editadas estão esgotadas. Provavelmente, a maior parte do acervo disponível está guardado no Rio de Janeiro, mais especificamente no Centro Educacional de Niterói, local onde trabalhou Hermano Soares de Sá, filho do compositor, e onde atua o regente Luiz Carlos Peçanha, que tem se dedicado à interpretação da obra de Gazzi de Sá. O Grupo Tandaradei, com direção de Theresia de Oliveira, gravou, em 1986, um CD com várias obras do compositor paraibano e que está disponível na internet (http://goo.gl/0UfF1Q). Gazzi de Sá harmonizou, como ele mesmo especifica nas partituras, muitas canções para coro feminino, dentre as quais Corre, corre, lacoxia, Rosa Amarela, Ó mana deix’eu ir e A maré encheu. Nessas obras chamam a atenção a vivacidade rítmica, as harmonias sofisticadas e o uso sistemático das onomatopeias (nan, tum, tim, blingue, bigue), comumente empregadas para fazer referência aos instrumentos de percussão e ao caráter dançante das músicas. Gazzi de Sá contribuiu para a expansão da literatura coral paraibana, sobretudo na primeira metade do século XX, e sua obra, porque é diversa e ainda pouco conhecida, precisa ser promovida, estudada e interpretada. Vladimir Silva

  • O canto coral na Paraíba: Tom K

    Antônio Carlos Batista Pinto Coelho, mais conhecido como Tom K, nasceu em Recife, Pernambuco, mas há muitos anos adotou a capital paraibana como sua terra natal. Graduado em Violão pela Universidade Federal da Paraíba, tornou-se uma referência no mundo musical por sua atuação como compositor e regente. Foi no final dos anos oitenta que tive o prazer de conhecê-lo, quando ingressei no curso de Licenciatura em Educação Artística, com habilitação em Música, no Campus I da UFPB. Tom K lecionava na graduação e foi um dos meus primeiros professores de Regência. Naqueles anos em João Pessoa, tive a oportunidade de acompanhar o trabalho que desenvolvera com o Madrigal Pedro Santos, indiscutivelmente um dos melhores coros que o estado já teve. Depois, por curto período, fui seu assistente no coral da Fundação Musical Isabel Burity. Por conta da minha mudança para Teresina, passamos algum tempo afastados. Esse fato foi revertido quando nos reencontramos em Salvador. Na capital baiana, entre 1996 e 1999, fomos colegas no Mestrado em Música, na classe do professor Erick Vasconcelos. Vivemos intensamente aqueles três anos. Convivíamos diariamente na Escola de Música, no Vale do Canela. Caminhamos juntos, subindo e descendo ladeiras, pesquisando e conversando, às vezes em diferentes bibliotecas e salas, quase sempre no nosso apartamento, nos finais de semana. A avenida Princesa Isabel era reduto paraibano, o refúgio no qual eu, Jane, Tom K, Maurílio Rafael e Romério Zeferino, entre garfadas e goles, compartilhávamos nossas experiências, nos sentíamos em família. Há tanto o que contar sobre Tom K em terras soteropolitanas que certamente seria possível escrever um romance. De modo geral, sua música é alegre, leve, reflete o seu espírito sagaz. O arranjo do Xote das Meninas, por exemplo, cantado mundo afora, eu considero um clássico. Ao longo de todos esses anos, Tom K contribuiu decisivamente para o desenvolvimento da prática coral em vários campos. Foi ele o responsável pela criação de muitos grupos e também a iniciação e formação de um grande número de regentes na região. Eu, como já disse, orgulhosamente me incluo neste rol. Ele também compôs e arranjou inúmeras obras, propôs aquilo que denomino de repertórios possíveis, com graus de dificuldade variados e que atendem às necessidades de diferentes conjuntos. É por isso que, neste momento, todas as homenagens lhes são pertinentes e justas. Recebe, portanto, maestro-amigo, nosso abraço de gratidão, nosso respeito, nosso reconhecimento por tudo o que você fez, nossos votos de felicidades. Que a aposentadoria seja apenas o início de uma nova fase e que você continue embelezando o mundo com sua música-poética, e prossiga construindo esse legado que incontestavelmente já entrou para a história da música no estado da Paraíba. Vladimir Silva *Publicado originalmente em 12 de junho de 2017.

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