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  • Por favor, respeitem o artista!

    Estabelecer-se profissionalmente é uma tarefa árdua para o músico. Durante o tempo de estudante, pensei que jamais iria conseguir sobreviver com o meu trabalho, porque quase todas as apresentações que realizava eram gratuitas e muito raramente recebia outro tipo de apoio logístico. Hoje, as coisas são diferentes por conta da experiência e do investimento que fiz ao longo de duros anos estudando. Tenho sido muito seletivo com os convites que recebo e sempre procuro fugir dos empreendimentos sem retorno financeiro. As pessoas devem entender que, à semelhança de qualquer outro profissional, o artista também precisa ser remunerado pelos seus serviços. Para preparar um concerto, um músico, além de adquirir partituras e equipamentos, passa horas estudando e ensaiando em busca da melhor sonoridade e interpretação. Trata-se de um investimento de alto custo. Abomino com veemência aquela conhecida lengalenga de que não se tem dinheiro para pagar os músicos. Também detesto quando me pedem para reduzir o número de intérpretes e o repertório com o objetivo de abater gastos. Ao ouvir esse tipo de sugestão, informo que o trabalho de preparação de uma obra é o mesmo, independentemente da quantidade de pessoas envolvidas. O mais engraçado, entretanto, é que, dificilmente, esses indivíduos agem da mesma forma e com mesquinhez nos escritórios dos advogados, arquitetos, engenheiros, dentistas ou médicos. Geralmente, pagam o que eles pedem porque, em muitos casos, são reféns de tais profissionais, nem sempre tão confiáveis e honestos. Contudo, em matéria de música, a realidade não é bem essa. Sempre que me convidam para realizar concertos e sou informado sobre a indisponibilidade de recursos financeiros, penso antes de responder. Investigo bastante para saber do que se trata. Quando percebo que alguém está querendo se aproveitar do meu trabalho, manifesto a minha indignação e digo que estou ofendido, pois considero um absurdo que tanto os empresários, que faturam alto com os seus negócios, quanto o governo, que arrecada fortunas com os nossos impostos, aleguem falta de recursos para a viabilização de projetos culturais que, em última instância, só servem para promovê-los e projetá-los política e socialmente. Propostas indecentes como estas explicitam a fragilidade das políticas públicas na nossa área, assim como o preconceito e as limitações dos investimentos da iniciativa privada neste setor. Vou além. Elas nos levam a crer que o dinheiro arrecadado pelo setor estatal, que poderia e deveria ser investido em educação, arte e cultura, está, provavelmente, sendo retido, desviado, usado para outros fins, em outras palavras, embolsado indevidamente. Por favor, parem com isso! Respeitem o cidadão. Valorizem os artistas. Vladimir Silva

  • Um som inconfundível

    O maestro Nelson Mathias regeu o Coral da UFPB, Campus II, Campina Grande, entre 1978 e 1982. Formado por cerca de sessenta cantores, o coro ensaiava nas dependências do Núcleo de Extensão Cultural (NEC-UFPB), no Teatro Municipal Severino Cabral, duas horas por dia, de segunda a sexta-feira. A preparação vocal do conjunto estava a cargo da professora Célia Bretanha Junker, cuja ação didático-pedagógica tinha como base os princípios propostos por Madeleine Mansion. A sonoridade era leve e ágil, razão pela qual o grupo dedicou-se à interpretação de várias obras da renascença francesa. As gravações das apresentações do Coral da UFPB, arquivadas em fitas k-7, em diferentes eventos entre 1978 e 1979, reiteram o que estamos falando. Muito embora parcialmente comprometidos pela ação do tempo, nestes áudios é possível identificar vários elementos. A técnica vocal está em processo de consolidação e há equilíbrio e controle da dinâmica e da articulação. Percebe-se o fraseado musical, bem como o diálogo entre os diferentes naipes. Também é notória a precisão rítmica, que ressalta os aspectos percussivos da nossa música popular, assim como as sutilezas e as entrelinhas dos arranjos assinados por Arlindo Teixeira, Clóvis Pereira, Damiano Cozzella e o próprio Nelson Mathias. Célia Bretanha e Nelson Mathias concebiam a música para além dos aspectos técnicos. Para eles, era necessário que os cantores compreendessem poética, filosófica e espiritualmente o que era cantado, a polissemia músico-textual, motivo pelo qual o Coral da UFPB normalmente não se apresentava com partituras, pois, na concepção do seu regente, os cantores deveriam estar livres para ver o maestro e para transmitir com mais liberdade o sentido musical daquilo que se cantava. O Coral da UFPB, sob a direção desses profissionais, foi premiado em festivais, recebeu o reconhecimento do público e da crítica. A proposta, além de artística e educativa, foi também política. Como atestado em alguns dos relatos coletados na pesquisa que realizamos, repetidas vezes o público surpreendeu-se com a atuação do coro. Mesmo sabendo que o grupo era coordenado por dois expoentes nacionais, frequentemente esperava-se do “Coral da Paraíba” um direcionamento técnico e artístico inconsistente, um repertório predominantemente regional e adornado com o placebo cênico, recurso em voga àquela época e que até hoje continua sendo usado, na maioria das vezes, para mascarar incompetências. A admiração era proporcional ao preconceito. Por isso, quando o coral interpretava com maestria a literatura de diferentes países, autores e períodos, o silêncio, o encantamento, a curiosidade e o respeito também preenchiam todos os espaços. Os Cantores da Rainha contrariaram expectativas, desconstruíram estereótipos, romperam barreiras. Para conhecer mais sobre essa página da nossa história, ouça o inconfundível som do Coral da UFPB (vídeo 1 e vídeo 2) e leia a nossa comunicação no XXII Congresso Nacional da ABEM, realizado em Natal-RN, em 2015. Vladimir Silva

  • A alta performance no canto coral brasileiro

    Nelson Mathias e Célia Bretanha dirigiram o Coral do SESI, em Brasília, nos anos setenta, e gravaram um LP em 16 canais, na RCA, no Rio de Janeiro, com direção artística de Carlos Guarany. O álbum contém nove faixas, todas dedicadas à música brasileira, incluindo Saia bonita (Baião - Carlos Alberto Pinto Fonseca), Suíte dos pescadores (Dorival Caymmi - Damiano Cozzella), Beira mar (Tema afro-brasileiro - Esther Scliar), Rolinha (Chula marajoara - Waldemar Henrique), Cromo (Kindemiro Teixeira - Pedro S. de Amorim - Nivaldo Santiago), Ofulú Lorêrê (Osvaldo Lacerda), Cambinda elefante (Maracatu - Ernst Mahle), Construção (Chico Buarque - Damiano Cozzella) e Carnaval I (Vários autores - Damiano Cozzella). A interpretação do coro é exemplar em muitos aspectos. O grupo canta no tempo, afinado, com técnica e expressão. Destaco tudo isso porque o disco foi gravado em 1975, numa época em que não existiam esses produtos mágicos que muitos usam em estúdio atualmente para afinar ou duplicar vozes. Ali não há maquiagem. A sonoridade desse coro assemelha-se àquela do Coral da UFPB, Campus II, Campina Grande, que os dois também dirigiram entre 1978 e 1982, ratificando que a identidade de um ensemble é definida pelos seus dirigentes. A comparação pode ser observada no texto/vídeo Um som inconfundível. A qualidade dos arranjos é outro ponto que chama a atenção, sobretudo aqueles escritos por Damiano Cozzella e que são interpretados com a orquestração original. Construção e Carnaval I são pérolas, especialmente por conta das madeiras e dos metais. Já a Suíte dos Pescadores inclui um quinteto de cordas, que pouca gente conhece e que toca, a maior parte do tempo, colla voce. Na verdade, pode-se dizer que este acompanhamento é non obbligato, razão pela qual comumente se executa a versão a cappella. Não obstante, compartilharei uma versão completa desse arranjo brevemente para que todos possam conhecê-lo e quem sabe interpretá-lo. Henrique Morelebaum, Marlos Nobre e Alberto Jafé assinam a apresentação desta preciosidade. Este último, inclusive, destaca a prevalência do uníssono e a beleza da homogeneidade, que ultimamente certas linhas de pensamento tentam refutar e considerar démodé equivocadamente e com argumentos dúbios. A unidade é tudo na prática de conjunto, seja num trio de forró, coro ou orquestra. Esses mestres exemplificam o que é excelência, o que é gravar sem Auto-Tune, sem placebos cênicos ou excessiva voz de peito em nome de uma brasilidade ou livre auto-expressão duvidosas. Eles nos mostram que, sim, é possível cantar qualquer repertório com qualidade com um coral formado por gente comum, “50 figurantes, moças e rapazes, filhos dos operários das indústrias e trabalhadores”, como foi o caso do Coral do SESI, da Capital Federal (ouça a playlist). Nelson Mathias e Célia Bretanha, em outros termos, nos ensinam o que é a alta performance no canto coral brasileiro. Vladimir Silva

  • É isso, gente!

    Dezembro. É hora de fazer um balanço e rever o que produzimos esse ano. Tal processo reflexivo nos dá uma visão das nossas ações, sobretudo nos segmentos acadêmico e artístico. Do ponto de vista da produção bibliográfica, publicamos resenhas, capítulos de livros, comunicações e artigos, incluindo os seguintes títulos: 1) Reflexões e estratégias para uma prática coral dialógica e colaborativa; 2) A Missa Sertaneja (1958), de Reginaldo Carvalho; 3) Canto Coletivo e Canto Coral: um estudo sobre a música vocal moçambicana; e 4) Entre o texto, o palco e a tela: uma análise da trilha sonora de Ladrão em noite de chuva, de Reginaldo Carvalho. Também prefaciamos a coletânea Sons de África e da Diáspora Atlântica: História, Musicologia e Interfaces, organizada por Andrea Adour e Josivaldo Pires de Oliveira. O marco foi o lançamento do livro Canções para sorrir e sonhar, com ilustrações de Sabrina Cipriano, ocorrido em julho. Como nos versos da canção Movimentando, que alegria, quanta emoção. Com relação à atividade artística, com o Coro de Câmara apresentamos cinco programas em Campina Grande-PB, João Pessoa-PB, Natal-RN e Porto Alegre-RS. O primeiro deles foi o VI Concerto da Paixão, realizado na quaresma e no qual apresentamos obras de J. S. Bach e de várias compositoras, incluindo Isabella Leonarda, Eva Ugalde, Rosephanye Powell, Elvira Drummond, lza Nogueira e Lorrany Andrade. Depois, interpretamos o Requiem para um Trombone, de Eli-Eri Moura, como parte da programação alusiva aos 10 anos da Orquestra Sinfônica da UFPB e na abertura do XIV Festival Internacional de Música de Campina Grande. No mesmo período, estreamos o Cancioneiro Atlântico, de Danilo Guanais, cantata cênica para solistas, coro misto e consorte formado por flautas, violão, violoncelo e percussão. O Requiem, de W. A. Mozart, integrou a programação do IV Festival Musica Dei e da II Convenção da Nova Associação Brasileira de Regentes de Coros (ABRACO). Em dezembro, o VI Concerto para o Advento, realizado na capital paraibana, encerrando a temporada da OSUFPB, e no Mosteiro Santa Clara, na Serra da Borborema, ocasião na qual estreamos os Cinco quadros Natalinos, de Danilo Guanais. A Coordenação Geral de Arte e Cultura (PROPEX-UFCG), a ABRACO e o Programa de Pós-Graduação em Música da UFPB igualmente nos levaram a realizar e a participar de muitas atividades em todo o país, fato que nos permitiu interagir com um sem-número de estudantes e profissionais. Esse foi um ano intenso, de grandes desafios e de realizações incríveis. Por isso, às vésperas de iniciarmos um novo ciclo, agradecemos o apoio e a parceria das instituições e empresas que estiveram conosco e dos colegas e amigos(as) que também nos acompanharam nessa caminhada. É isso, gente: estamos vivendo a melhor época das nossas vidas, inseridos nesse tempo, povo, lugar! Vladimir Silva

  • Jovens tardes de domingo

    Fim de semana, na minha infância, era sinônimo de muita música. Todos os sábados, eu e meus amigos passávamos a tarde tocando flauta e violão. Empolgados, não sentíamos o tempo passar e só quando ouvíamos o badalar do sino da Capela João Moura, avisando que a missa das cinco estava para começar, que decidíamos parar. Eu saia às pressas, correndo ao encontro da minha tia-avó, Maria Ferreira, para juntos seguirmos até a igreja. Durante a celebração, esperava com certa ansiedade a hora dos cânticos, que eram anunciados nos primeiros acordes do pequeno e nasalado harmônio, um órgão de fole que Irmã Aldete, a madre superiora, dominava com maestria. Maria se orgulhava quando me (ou)via cantando com empolgação. No domingo pela manhã, eu sempre acordava cedo para ouvir a Campina FM e o programa Clássicos Eternos, apresentado por Hilton Mota. A temática era variada, o que me permitia conhecer gradualmente a literatura musical de diferentes períodos, autores e estilos, o que só aumentava o meu interesse pela música. Eu nem imaginava que, anos mais tarde, seria o produtor e apresentador desse mesmo programa. Em casa, após o almoço, nos divertíamos, eu e a minha irmã mais velha, com o programa Qual é a música?, no qual Sílvio Santos desafiava os participantes com uma gincana musical. Meu pai também gostava desse jogo. Contudo, preferia ouvir suas músicas, especialmente depois que adquiriu um “três-em-um”, o aparelho de som mais moderno da época e no qual era possível ler e gravar fitas cassete, sintonizar rádio AM e FM e escutar discos de vinil. Comumente, ele colocava na bandeja Gal Tropical, Ave de Prata, o primeiro trabalho que Elba Ramalho gravou, e a Arte de Chico Buarque, que ouvíamos deitados no chão duro, frio e de cimento avermelhado, porém aconchegante, da sala da nossa casa. Curiosamente, meu irmão caçula gostava de ouvir Chico Buarque cantando Minha história (Gesubambino) e falando da pobre mulher que, por não se lembrar de acalantos, ninava o filho pequeno com cantigas de cabaré. E ele sorria e pedia para meu pai repetir várias vezes aquele laiá, laiá. Anos depois, já no início da adolescência, no fim da tarde, quando no alto da Rua das Imbiras os portões da AABB se abriam, avisando que a matinê estava encerrando, corríamos para aproveitar o que restava da festa. Enquanto meus amigos se dirigiam para o salão, eu me apressava para ficar na lateral do palco, vendo e ouvindo os artistas, grupos que (en)cantavam, como, por exemplo, os Vikings, Som Livre, Ogírio Cavalcante e Trepidants. Hoje é domingo e, ao ouvir a canção de Roberto Carlos na voz de Gal Costa, com saudade lembrei-me daquelas jovens tardes, tantas alegrias, velhos tempos, belos dias. Vladimir Silva

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