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Foto do escritorVladimir Silva

Deus já fez o céu bem alto, foi para viver sossegado!

Eventualmente, regentes corais passam por momentos sensíveis, especialmente quando o assunto é música sacra-sagrada. Vários são os casos. Alguns(mas) coralistas, com certas restrições a esse tipo de repertório, evitam interpretá-lo. Há os(as) que não o fazem por conta da orientação doutrinária e dos vínculos religiosos. Outros(as) não creem em nada. Há ainda quem cante parcialmente, dublando ou omitindo passagens do texto, palavras e expressões que não estão em consonância com os princípios que professam. O problema se agrava quando certos(as) integrantes, muitas vezes essenciais dentro de um grupo, decidem não participar de uma apresentação pública, porque a mesma será realizada num templo. Para eles(elas) não importa a denominação e se o concerto é ou não parte de um serviço litúrgico. Simplesmente, não se envolvem.


É preciso cuidado no trato da questão, pois a liberdade religiosa, um direito constitucional, é uma opção pessoal e está diretamente vinculada à história de vida de cada indivíduo. No entanto, cantores(as), por mais fervorosos(as) que sejam nas suas convicções espirituais, não podem ignorar a literatura coral produzida por diferentes povos, especialmente quando os(as) mesmos(as) atuam em contextos laicos. Sabe-se, por exemplo, que, há alguns anos, um coro profissional brasileiro, mantido com os cofres públicos, só cantou uma obra com temática do candomblé por força de mandato judicial. A exclusão do repertório ligado à cultura afro-brasileira dos acervos dos nossos coros e das salas de concerto é consequência de vários fatores, dentre os quais o racismo estrutural, a estigmatização e o preconceito. A análise superficial do tema, que é amplo e complexo, revela o desconhecimento e a rejeição da diversidade cultural do país, o nosso nível de (in)tolerância e a correlação existente entre o microuniverso da prática coral e a macroestrutura social na qual estamos inseridos.


Num contexto acadêmico, profissional, secularizado, de modo geral, acredito que não há espaço para o proselitismo religioso ou certos melindres teológicos, passionais, com os quais frequentemente temos que lidar. Como regentes, precisamos gerenciar tais conflitos, sem, contudo, privilegiar um ou outro grupo de pessoas em detrimento desta ou daquela verdade.


Para além da fé, devemos cantar com técnica, no tempo, afinado, expressivamente. Precisamos revelar os múltiplos sentidos do texto, seja ele sobre dor ou júbilo, céu ou inferno, ressurreição ou reencarnação, a criação ou o fim da humanidade. Nossa voz precisa ecoar no teatro, no templo, no centro espírita, no terreiro, na sinagoga e na catedral gótica. É por isso que somos educadores, músicos, artistas. Esta é a missão: cuidar da obra musical, prioritariamente, deixando de lado nossas (des)crenças, porque, “segundo o sertanejo escolado”, como disse W. J. Solha, excelsum valde coelum proprie fecit Deus ut placide vivat, que traduzido significa: “Deus já fez o céu bem alto, foi para viver sossegado!”


Vladimir Silva



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