Os percalços que ela superou estão intrinsicamente ligados a sua fé. Eu já tratei desse assunto no texto Obrigado, Dona Nuca, e peço licença para sintetizá-lo. Minha avó era católica, devota de Nossa Senhora e todo mês de maio celebrava o milagre de Fátima com uma trezena. Nesse período, rezava o terço em sua casa, por volta da hora do ângelus. Eu chegava da escola e ia correndo ao seu encontro, porque me sentia acolhido e adorava ouvir a sua voz tenra entoando as melodias marianas. Tudo era simples, vivo e intenso, como a chama da pequena vela sob a mesa-altar improvisado e que dissipava as sombras da noite que se aproximava.
Na
prática corrente da igreja, quando se reza o terço deve-se observar o dia da
semana, visto que cada um tem seu próprio ethos. Segundas e sábados, por
exemplo, são dedicados aos mistérios da alegria, os chamados gozosos; terças e
sextas, aos da dor; quartas e domingos, aos da glória; a quinta, por fim, aos
da luz. Eu não sei se ela sabia daquele protocolo e se, mesmo sabendo, o seguia
rigorosamente, tendo em vista que era muito pragmática. O certo é que ela
puxava a primeira parte do Pai-Nosso e da Ave-Maria, enquanto nós recitávamos a
segunda metade. Entre uma dezena e outra, uma pequena pausa para reflexão,
oportunidade na qual ela nos pedia para revelarmos silenciosamente os desejos
do nosso coração, as graças que esperávamos alcançar. A culminância da festa
era na data de hoje, ocasião na qual uma multidão, em procissão e carregando as
lanternas artesanais que ela cuidadosamente confeccionara, iluminava a rua
cantando a aparição na Cova da Iria, que já tive a oportunidade de visitar
algumas vezes em Portugal.
Porque somos um espelho que reflete o mosaico das memórias, fui invadido por uma lufa de saudade e afeto nesses dias de reencontro comigo mesmo e todos aqueles que me constituem e definem. Vovó, a inesquecível, está inserida nesse seleto rol e, na sua singularidade, ensinou-me sobre a mística do amor que alimenta essa relação pessoal, íntima e intransponível com o divino, para além dos templos e denominações, e que é representado pelo sagrado feminino das muitas Mães-Marias que povoam o meu (in) consciente-coração.
Vladimir Silva (silvladimir@gmail.com)
Porque somos um espelho que reflete o mosaico das memórias, fui invadido por uma lufa de saudade e afeto nesses dias de reencontro comigo mesmo e todos aqueles que me constituem e definem. Vovó, a inesquecível, está inserida nesse seleto rol e, na sua singularidade, ensinou-me sobre a mística do amor que alimenta essa relação pessoal, íntima e intransponível com o divino, para além dos templos e denominações, e que é representado pelo sagrado feminino das muitas Mães-Marias que povoam o meu (in) consciente-coração.
Vladimir Silva (silvladimir@gmail.com)
2 comentários:
Show.....
😍😍😍
Postar um comentário