sábado, 5 de outubro de 2019

Em sintonia

Durante muito tempo, o Curso Condensado de Harmonia Tradicional - com predomínio de exercícios e o mínimo de regras, de Paul Hindemith, traduzido por Souza Lima e publicado pela editora Irmãos Vitale, foi uma obra de referência em nosso país. Eu, particularmente, adquiri um exemplar deste clássico na época em que estudava no DART-UFPB, Campus II, por volta de 1986. Trata-se de um manual técnico que aborda temas distintos, incluindo tríades, tétrades, progressões harmônicas, modulação, cadências, encadeamento das vozes. Muito embora ele tenha recebido críticas por conta do seu excessivo caráter tecnicista, a obra me ajudou a compreender essa dimensão do fazer musical.

Explorei-o quase por completo, praticando os exercícios vagarosamente, pois, como naquela altura já regia o Coral Viva Voz, do Centro Cultural, queria aplicar o conteúdo aprendido na elaboração de novo repertório para o meu grupo. Quando as dúvidas apareciam, recorria aos professores com os quais tinha aula na universidade, aos meus colegas ou profissionais mais experientes, a exemplo do maestro José Cavalcanti, que atenciosamente me ajudou algumas vezes. De modo progressivo, fui entendendo, criando coragem, aumentando a fé no que estava me propondo a fazer, sedimentando aquilo que Albert Bandura define como as crenças de auto-eficácia, esse mecanismo compreendido como a confiança na capacidade pessoal para organizar e executar certas ações.


Recentemente, organizando uma das pastas nas quais guardo documentos, encontrei um caderno com diversos arranjos que escrevi para coro misto a quatro vozes, entre 1987 e 1989, incluindo Dom de iludir (Caetano Veloso), Gente humilde (Garoto - Vinicius de Moraes - Chico Buarque), Brejeiro (Ernesto Nazareth), Veja (Vital Farias), Paz do meu amor (Luiz Vieira), Pout-pourri de choros (Vários autores), South American Way (Al Dubin - Jimmy McHugh), bem como outros do show Gerar, de Gera Brito, e Shy Moon (Caetano Veloso), versão para coro masculino.

O mais antigo é o da canção Em sintonia (veja a partitura), gravada por Padre Zezinho no LP Um certo galileu, que escrevi aos dezessete anos. Quer dizer, arranjo é uma forma genérica de classificar essa empreitada pioneira pelo campo da harmonia, porque eu me restringi apenas a encadear os acordes, conduzindo as vozes da forma mais próxima àquela proposta no vade-mécum de Paul Hindemith. A análise da partitura revela a predominância da textura homorrítmica, tão típica dos hinos, bem como certas inconsistências. Quintas paralelas à parte, a estreia da peça ocorreu num concerto que realizei no Museu de Arte Assis Chateaubriand, no largo do Açude Novo, com o objetivo de arrecadar dinheiro para pagar a minha recém-adquirida flauta transversa. Na ocasião, Elizanilda Ramalho foi a solista. Muito embora simples, essa iniciativa ratificava o  meu interesse pela composição, a minha sintonia com o Deus-Pai e a Mãe-Música.


Vladimir Silva (silvladimir@gmail.com

4 comentários:

Paulo César Vitor disse...

Que bacana Vladimir. Me inspiro muito no seu blog. Escrita fluida e tão rica em detalhes. Abração.

Unknown disse...

Uma viagem no tempo... Cheguei a fazer o "Pout-pourri de Choros" com um quarteto de violões.

Vladimir Silva disse...

Paulo César Vitor, quanta gentileza! Obrigado por ler, compartilhar e comentar. Narro minhas experiências, as tantas histórias que vivi e vivo. Você e sua música também são inspiração para mim e muitos. Abraço.

Vladimir Silva disse...

Que interessante saber que você fez uma versão para violão desse arranjo. Se puder compartilhar posteriormente, agradeço.

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