quarta-feira, 22 de maio de 2019

Adeus, Irmã Tarcísia.

Há muito tempo, frequento o Mosteiro Santa Clara. Essa aproximação com as Clarissas começou cedo, ao lado de Tia Lúcia em visita às confrades enclausuradas. O santuário, localizado na área do Parque Evaldo Cruz, no coração de Campina, é um refúgio aconchegante, rodeado de árvores frondosas, repleto de silêncio e paz. Ele é a morada de várias freiras, dentre as quais Irmã Tarcísia, batizada Rita Maria da Silva.

Quem é daqui, e já visitou o referido centro espiritual, foi, em algum momento, acolhido pela religiosa, que, juntamente com as congregadas Anunciada e Coleta, era, grosso modo, a intermediação entre a comunidade e as monjas que vivem no claustro. Entre a portaria e o altar, Ir. Tarcísia decorava velas e cartões, era habilidosa com o crochet e bordava peças em Richelieu. Seus talentos musicais também eram notórios. Com voz terna, nos enlevava, sobretudo cantando célebres melodias ou mesmo acompanhando ofícios e missas na serafina fanhosa. A sonoridade que nascia daquelas pequenas mãos era encantadora e nos fazia crer que, de fato, quem canta, reza duas vezes.

A minha conexão com o convento foi interrompida durante a temporada em que estive fora da Serra da Borborema, andando pelo mundo. Somente em 2006, após mais de vinte anos, tive o prazer de reencontrar a congregação, rever a comunidade e conhecer as novas habitantes da casa. Na ocasião, realizamos um concerto na capela central com o Madrigal e o Coro Feminino da UFPI, que estavam em turnê pela Paraíba. Foi um momento ímpar, de muitas bênçãos, de grande alegria. Depois disso, nosso contato intensificou-se e, quando nos mudamos para a Rainha da Borborema, em 2009, passamos a visitar aquele espaço sagrado frequentemente, ajudando-as nas tarefas musicais, oferecendo-lhes os concertos do Festival Internacional de Música (FIMUS), buscando equilíbrio e proteção.

Recentemente, encontrei-me com Irmã Tarcísia no templo, aguardando o início das vésperas. Como de costume, estava sentada no primeiro banco e nos cumprimentou com alegria, curvando-se, beijando nossas mãos. Espantou-se com a altura de Vinicius e elogiou a beleza de Jane e Sofia. Falamos brevemente e nos despedimos sem pressa, confiantes no reencontro. Não sabíamos, entretanto, que aquela seria nossa última conversa. Hoje, dia de Santa Rita, ao amanhecer, ela encerrou sua viagem terrena. Imediatamente, lembrei-me do dia em que me deu de presente dois livros, quais sejam, Cecília, um manual de cânticos religiosos, e o Liber Usualis, alegando que eu faria melhor uso de tais obras. Pensei nas dores dos que integram aquela irmandade, agora incompleta, e no exemplo que deixara, afinal foram mais de seis décadas de vida religiosa, como franciscana, inspirando tantos, inclusive a minha pessoa. Agradeci-lhe por tudo, com o espírito em festa, com a certeza de que a sua missão terrena fora cumprida exemplarmente. Adeus, Irmã Tarcísia.

Vladimir Silva (silvladimir@gmail.com)

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