Hoje
é um dia especial. Meus pais celebram cinquenta anos de matrimônio. Fazendo as
contas por alto, cinco décadas totalizam aproximadamente dezenove mil dias, quase
meio milhão de horas vividas por duas pessoas sob o mesmo teto. Numa época em
que tudo é acelerado, instantâneo e líquido, esses números parecem uma eternidade.
Se nós
pudéssemos projetar o filme da vida de vocês, Francisco e Luzenilde, certamente
teríamos motivos para sorrir e chorar, pois a vida de um casal é uma colcha de
retalhos formada pela dicotomia sim-não, dor-prazer, palavra-silêncio. A vida a
dois não é fácil. Ela é repleta de desafios, limites, possibilidades. Cada um
deve preservar a sua essência e aceitar a singularidade do outro. É mais ou
menos assim como vocês: enquanto um é do Treze, o outro é do Campinense. Alguém
me disse, certa vez, que um casamento só dá certo quando os dois são
diferentes, quando há um besta e um sabido. O difícil é definir os papeis de
cada um nesse jogo de permutas constantes. Meus vizinhos celebraram bodas de
diamante, ano passado. Recentemente, Seu Silvério faleceu. Dona Lourdes perdera o homem da
sua vida, o amigo inseparável, o companheiro fiel com o qual conviveu sessenta
anos. Certo dia, perguntou-me atônita: e agora, meu filho, com quem eu vou arengar?
Ouvimos nossas reticências como resposta.
Esta
semana, enquanto dirigia, escutei numa emissora local a canção Foi Deus Quem Fez Você, clássico
imortalizado na voz de Amelinha. As emoções vieram à tona evocando as memórias
da nossa casa, na Rua das Imbiras, quando ouvíamos música num pequeno aparelho
de som, deitados no chão vermelho, escuro e denso como o sangue que corre no
coração dos amantes. Naquela hora, pensei em vocês, nas tantas narrativas que
escrevemos, na celebração que estava por começar, em todos os membros da nossa família.
Posteriormente,
quando eu estava escolhendo o que iria oferecer-lhes para marcar essa data tão
significativa, decidi comprar um relógio e um perfume. O seu presente, meu Pai,
é para lembrá-lo que o amor, diferentemente do tempo cronológico, não pode ser
fatiado, medido, visto que o tempo de quem ama confunde-se com o eterno. É por
isso que esses cinquenta anos passaram rapidamente. Vocês nem perceberam e, de
repente, já eram pais, avós, viram a casa ficar vazia. Para você, minha Mãe, escolhi
um perfume, porque eu acredito que o amor é a fragrância de Deus. Vaporizem-no para
que todos sintam o seu odor. Que tudo o que vocês tocarem, nos próximos
cinquenta anos, fique impregnado com o aroma do Divino, e que todos
nós, tal como Luiz Bandeira, na sua célebre canção, possamos continuar cantando
que “foi Deus que fez a gente somente para amar. Só para amar...”
Vladimir Silva (silvladimir@gmail.com)
Vladimir Silva (silvladimir@gmail.com)
Um comentário:
Mui lindo, Vlads...
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