A Quaresma é o período que vai da Quarta-Feira de Cinzas até a Páscoa. Para a Igreja, este é um momento de conversão, meditação e penitência, motivo pelo qual a liturgia adquire conotações específicas, conforme descrito nos documentos eclesiásticos. O roxo é predominante nos altares e paramentos sacerdotais. Dentre os itens proibidos nas celebrações ao longo deste tempo litúrgico estão as orações e cânticos de louvor, como, por exemplo, o Gloria e o Aleluia, as flores no altar e o uso do órgão, que só é permitido nos domingos e férias para acompanhar o canto.
A literatura coral escrita para a Quaresma e para o Tríduo Pascal, que congrega as celebrações da Quinta-Feira (In Coena Domini), Sexta-feira (In Passione Et Morte Domini) e Sábado Santo (Sabbato Sancto), é muito ampla. Esta música, seja para coro a cappella ou acompanhado, pode ser inserida em diferentes contextos litúrgicos e/ou paralitúrgicos. Ela é rica em simbolismo musical, visto que os compositores captam a essência dos textos, representando os diferentes afetos e estados emocionais que eles suscitam. Esta retórica musical pode ser percebida numa simples antífona monofônica medieval, como, por exemplo, Ubi caritas, quanto nos complexos motetos de Poulenc (Timor et tremor, Vinea mea electa, Tenebrae factae sunt e Tristis est anima mea).
No Brasil, a produção de música sacra foi muito intensa durante o período Colonial-Imperial. Padre José Maurício Nunes Garcia compôs, entre 1798 e 1809, um conjunto de peças para as diferentes liturgias da Semana Santa, a maioria delas para coro misto a cappella, que foram editadas e publicadas por Cleofe Person de Matos, em 1976, no Rio de Janeiro, muitas das quais já tive a oportunidade de interpretar, a exemplo dos motetos Sepulto Domino e Domine, tu mihi lavas pedes. (Para ouvi-los, basta seguir o link www.youtube.com/watch?v=bM84wRY3rh4)
O Projeto Acervo da Música Brasileira – Restauração e Difusão de Partituras, do Museu da Música de Mariana (www.mmmariana.com.br), tem se dedicado à restauração, edição e publicação de obras preciosas da música religiosa brasileira dos séculos XVII a XX, dentre as quais aquelas escritas por Emerico Lobo de Mesquita, João de Deus Castro Lobo e Manuel Dias Oliveira. As pesquisas já deram origem a vários livros e gravações, a exemplo da coleção Matinas de Quinta-Feira Santa, do compositor mineiro Jerônimo de Souza Queiróz, interpretada pelo Conjunto Calíope e Orquestra Santa Tereza, sob a direção de Júlio Moretzsohn. A Quaresma está começando hoje. Que ao longo deste período, e independentemente da fé que professamos, possamos cantar esta literatura que é patrimônio da humanidade, ampliando o repertório dos nossos coros e enriquecendo, com beleza e lirismo, os diversos momentos da história da paixão, morte e ressurreição de Cristo.
Vladimir Silva (silvladimir@gmail.com)
quarta-feira, 9 de março de 2011
Search
Quem sou eu

- Vladimir Silva
- Sou paraibano, natural de Campina Grande. Fui seduzido pela arte, pela música e pela literatura há muito tempo. Atualmente, leciono nos cursos de graduação e pós-graduação em Música da UFCG e da UFPB. Sempre estou aqui e acolá, regendo e cantando, ensinando e aprendendo, ouvindo e contando histórias. Meu perfil profissional completo pode ser acessado na Plataforma Lattes (CNPq): http://lattes.cnpq.br/5912072788725094
3 comentários:
Seus textos são sempre muito bem escritos e fazem o leitor refletir!
Parabéns!
Amigo Vladimir
Parabéns pelo excelente texto sobre a música na Quaresma.
João Valter
Excelente performance à frente do coro. José Maurício, em toda a sua simplicidade pessoal, foi um gigante na tradução dos sentimentos religiosos mais profundos.Parabéns pelo texto.
Fred Marroquim
Postar um comentário