domingo, 10 de outubro de 2010

(In)Expressividade musical

Quem participa de encontros e festivais sabe que as composições originalmente escritas para coro, sejam elas a cappella ou com acompanhamento instrumental, têm sido extirpadas do repertório dos grupos, que já não interpretam obras canônicas das literaturas europeia, norte-americana e brasileira. A vasta produção vocal tem sido substituída pelos arranjos de canções populares e folclóricas.

A inclusão de arranjos no repertório de um coro tem vários aspectos positivos, dentre os quais a acessibilidade do vernáculo, que facilita a identificação sócio-cultural dos coralistas com a música e agiliza o processo de ensino-aprendizagem. No entanto, o problema surge quando os arranjos interpretados são desprovidos de senso artístico, criatividade e beleza. Uma obra musical, seja ela original ou arranjo, simples ou complexa, curta ou longa, precisa ser planejada. É necessário que o compositor/arranjador use técnicas diferentes para manipular a métrica, a melodia, a harmonia e a textura, criando, através das variações de dinâmica, tempo, andamento e articulação, momentos de tensão e repouso, os vários estágios da narrativa. Para indicar, com o máximo de precisão, todas as suas intenções musicais, aquele(a) que cria deve recorrer aos mais sofisticados recursos da notação musical, evitando a ambiguidade. Contudo, o que se constata é exatamente o oposto. Muitos dos arranjos lançados no mercado, brasileiro e internacional, excluem detalhes sutis e importantes para a interpretação musical que, em alguns casos, até comprometem a essência da obra original que lhes serviu de referência.

Essa práxis composicional, se é que se pode assim considerá-la e denominá-la, tem contribuído para banir a expressividade do contexto da prática coral. À falta de concepção musical dos arranjos alia-se a robotizada atuação dos regentes, que parecem desconhecer os princípios básicos da interpretação musical. O desempenho dos coros se restringe a um movimento corporal (dois pra lá, dois pra cá), a algumas caras e bocas e outros adereços. A sonoridade é tão linear e chapada quanto uma pintura sem perspectiva. O interesse musical inexiste porque falta a dramaticidade que é criada com os contrastes da articulação, da intensidade e do timbre. Alguns desses elementos não são indicados na partitura tampouco apontados pelo regente, que muitas vezes não sabe como criá-los a partir das idiossincrasias da obra.

Assim, os cantores vão aprendendo a cantar ignorando a dialética relação entre staccato/legato, piano/forte, crescendo/decrescendo, accelerando/ritardando, alheios ao fato de que o fraseado musical é que dá sentido aos aspectos textuais, harmônicos e melódicos de uma composição e à própria obra. Sem essa consciência do movimento interno que a música evoca, a sua fruição fica comprometida. Capta-se apenas o superficial, o efêmero. Independentemente do repertório que se interpreta, cantar sem expressão é o mesmo que, estando vivo, apenas existir, não viver.

Vladimir Silva (silvladimir@gmail.com)

2 comentários:

Anônimo disse...

verdade o povo só quer saber de boi e peba sem se importar com musica de qualidade
excelente artigo professor
rodrigo

vilcimar disse...

vladimir!
abrços,
vilcimar garcez correa, sao luis maranhao.

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