Carnaval é sinônimo de liberdade e alegria. É a festa do deboche e do sarcasmo na qual os brincantes, através da arte, questionam e desmistificam o discurso da autoridade e do poder, abordando a vida cotidiana com muito humor, ironia e irreverência.
Na Itália seiscentista, a expressão canti carnascialeschi designava as canções polifônicas cantadas no carnaval Florentino por intérpretes mascarados, que, segundo o Dicionário Harvard de Música, andavam a pé ou fantasiados em carros decorados. Os textos das composições, na sua grande maioria anônimos, celebravam as artes e o comércio da região, assim como tratavam de temas alegóricos e moralistas. Os poemas eram estróficos, apresentando geralmente versos octossílabos. Como as composições eram interpretadas em espaços abertos, nas ruas e praças, e a compreensão do texto era condição essencial para a instauração do riso, os compositores recorriam às formas homofônicas e silábicas, daí a predileção pela frottola, a canzona a ballo, a villanella e a mascherata.
As canções obscenas e com duplo sentido também integravam o repertório carnavalesco renascentista como sugere o título Canti della malmaritata, delle donne giovani e di mariti vecchi, delle vedove, dei giudei battezzati (Canções das esposas infelizes, das esposas jovens casadas com homens velhos, das viúvas, dos judeus batizados) e os versos de Canti di lanzi tamburini, cuja tradução apresentamos a seguir: “Lanzi percussionistas nós somos, / vindos da Alemanha / para tocar bombo e flautas / onde há guerra e bons vinhos. / Nós temos flautas grossas, / longas e bem decoradas; / Belas senhoritas, nós podemos mostrá-las, / todas tocam suavemente, / e são boas na frente e atrás, / no começo e até o fim... / E se vocês também, adoráveis senhoritas, / desejam aprender como tocá-las, / nós estamos alojados na Piazza Padella, / no lado oposto aos banhos quentes, / onde, costumeiramente, / oferece-se prazer aos Florentinos”.
A temática sexual foi explorada por outros compositores italianos e franceses, dentre os quais Clément Janequin, que escreveu várias canções baseadas nos poemas satíricos e eróticos de Clément Marot, todas com forte apelo burlesco. Carnaval é ruptura e inversão, e a música há muito tempo tem sido usada para dessacralizar os discursos oficiais. Como José Luiz Fiorin observa, no livro Introdução ao pensamento de Bakhtin, o carnaval não é uma festa que se presencia, mas que se vive. Para ele, “o carnaval é constitutivamente dialógico, pois mostra duas vidas separadas temporalmente: uma é a oficial, monoliticamente séria e triste, submetida a uma ordem hierarquicamente rígida, penetrada de dogmatismo, temor, veneração e piedade; outra, a da praça pública, livre, repleta de riso ambivalente, de sacrilégios, de profanações, de aviltamentos, de inconveniências, de contatos familiares com tudo e com todos”.
Vladimir Silva (silvladimir@gmail.com)
segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010
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Quem sou eu

- Vladimir Silva
- Sou paraibano, natural de Campina Grande. Fui seduzido pela arte, pela música e pela literatura há muito tempo. Atualmente, leciono nos cursos de graduação e pós-graduação em Música da UFCG e da UFPB. Sempre estou aqui e acolá, regendo e cantando, ensinando e aprendendo, ouvindo e contando histórias. Meu perfil profissional completo pode ser acessado na Plataforma Lattes (CNPq): http://lattes.cnpq.br/5912072788725094
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